CESAR CALLEGARI é sociólogo, membro do Conselho Nacional de Educação. Foi Secretário de Educação de Taboão da Serra, Secretário Executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Deputado Estadual por dois mandatos e Presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação . |
As elites hegemônicas brasileiras, cuja inserção na modernidade sempre foi contraditória e, em muitos sentidos, retrógrada, excluíram a imensa maioria de nossa população do acesso à educação de qualidade. Quando muito, para aquelas mesmas maiorias foi oferecida uma educação funcional cujo propósito maior sempre foi o de manter intocada a subalternidade e, portanto, os rígidos padrões de domínio político, exploração e exclusão.
O processo intenso e tardio de urbanização a que assistimos em nosso país não fez senão agravar o problema, uma vez que impôs às camadas populares, em curtíssimo espaço de tempo, uma readequação de todo o seu saber, para que elas pudessem se acomodar às exigências de uma formação societária que requer o domínio sobre estruturas simbólicas complexas e formais. Não causa estranheza, então, que a pobreza tenha se disseminado em meio mesmo à riqueza mais extrema.
É preciso compreender, contudo, que a natureza da exclusão mudou, ainda que se reproduzam as mesmas condições socioeconômicas que se podia identificar no período que antecedeu a globalização. Nas novas condições societárias, as políticas compensatórias mostram-se insuficientes, especialmente aquelas que envolvem a redistribuição de renda, apesar de se apresentarem como pressuposto de toda e qualquer ação no sentido da inclusão social. Não são capazes de engendrar, por si só, as condições para que cada indivíduo ou grupamento liberte-se do ciclo recorrente de miséria e exclusão em que se encontra encerrado. É possível, por este recurso, minorar a penúria, mas não se eliminam seus fatos geradores. Esta é uma decorrência inevitável dentro dos marcos do desenvolvimento capitalista.
É preciso superar o berço da desigualdade na nação brasileira, ou seja, a educação pública de segunda qualidade |
Ora, a incorporação contínua da inovação técnica ao processo produtivo, a transformação da ciência e da pesquisa científica em potências imediatamente produtivas, ou seja, a libertação do processo produtivo da dependência da intervenção propriamente física do homem e mesmo de suas particularidades individuais trazem, como conseqüências, alterações nos sistemas de exclusão e inclusão, afetando os critérios para ingressar no processo produtivo bem como para nele permanecer.
Ser trabalhador, na atualidade, requer o domínio dos mínimos recursos culturais e simbólicos essenciais para integrar-se a um processo que, na essência, está mediado pela máquina e pelo estágio de seu desenvolvimento não apenas mecânico, mas igualmente eletrônico (computacional), ou seja, pela aplicação concentrada e metódica da tecnologia. A máquina tende a ser, cada vez mais, um artefato ao qual se agregam elementos de robótica e que, portanto, requer um operador capaz de satisfazer suas exigências operacionais que se encontram devidamente repertoriadas em manuais de procedimentos, códigos de utilização e conduta etc.
Compreende-se, deste modo, que ser trabalhador exige portanto, na atualidade, a aquisição de habilidades que dependem diretamente da educação formal e do nível de escolarização. Esta exigência, se considerada a dinâmica inerente ao processo de produção, implica complementarmente, mais do que um mínimo cultural ou um conjunto de habilidades, fazendose imprescindível a aquisição contínua de conhecimentos e habilidades sem os quais o trabalhador pode se ver rapidamente superado pelas exigências impostas pelo mercado de trabalho.
Fundamental recordar, nesta questão, que o repertório que deve ser adquirido pelo trabalhador não está determinado necessariamente em escala nacional, sendo seguramente influenciado pelos padrões internacionais, algo de todo natural em uma economia que se globalizou, ou seja, que procura minimizar o custo de movimentação planetária de mercadorias e capitais.
Um projeto de nação, na justa medida em que compreendamos a natureza das determinações objetivas da sociedade contemporânea, deve incorporar o princípio norteador de transformar pela raiz. Uma revolução de natureza específica e particular, ou seja, a que nega e supera o berço da desigualdade na nação brasileira - a educação pública de segunda qualidade, que historicamente se oferece às massas populares, como elemento essencial à manutenção da ordem, que é um convite ao atraso recorrente e à exclusão sem remédio.
Não devemos nos ater, contudo, à dimensão exclusivamente laboral (funcional) do problema ou à redução do tema que envolve superar a exclusão a seus termos estritamente econômicos ou produtivos. Estes são sempre, para aqueles que se comprometem com as causas populares, não mais do que um elemento de um processo mais amplo e complexo. O compromisso deve estar do lado da autonomia, da superação da menoridade perpétua que nos impõe a ordem, sua superação democrática por uma forma mais justa e fraterna de sociedade.
Contudo, esta superação não pode ocorrer nas sociedades capitalistas contemporâneas fora dos quadros de um combate que se dá no campo cultural; combate que envolve, necessariamente, sobrepujar a colonização do imaginário, que está inexoravelmente imbricada com o desenvolvimento que engendrou a indústria cultural, não como forma acessória ao processo de acumulação capitalista, mas como o cerne a partir do qual aquele processo não apenas se sustém, mas especialmente ganha a forma auto-expansiva que a contemporaneidade vem conhecendo. É preciso superar, portanto, a produção subalterna da cultura, o que só se faz pela recuperação e desenvolvimento de valores humanistas, que sempre valorizam tanto a política, quanto o espaço público.
As questões que envolvem a educação são imediatamente, portanto, aquelas que se referem à própria construção da nação, empreendimento que deve ter por fundamento um projeto político cujas promessas irredutíveis e incontornáveis sejam a conquista da civilização e da cidadania para todos. Esse projeto de edificação de uma nação mais equânime e fraterna exige, contudo, dada a própria centralidade da educação nas sociedades contemporâneas, que nós a revolucionemos, garantindo que o País passe a abrigar aqueles que, até aqui, têm permanecido à margem da sociedade e da fruição do patrimônio cultural que o homem vem construindo ao longo de sua história.
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